[ser E não ser, eis a questão]
Fragmentos de uma pesquisa na arte do ator, tendo como objeto o
treinamento e criação dos atores do espetáculo Milkshakespeare.
Por Renata de Lélis.
[procedimento I]
Em trabalho com os atores de Milkshakespeare, o estado de jogo,
prioritário para todo processo de criação, aprofunda-se a cada dia de
treinamento.
Este treinamento consiste em estudos, leituras, filmes, técnicas
corporais-vocais e jogos improvisacionais que estão a formar o léxico
comum para a nossa expressão enquanto grupo.
No presente seguimento do trabalho prático optamos por exercícios com
base no Butô, no Yoga Clássico e outras técnicas corporais com base na
Educação Somática, intercalados com exercícios corporais de
improvisação.
Observamos que o entrelaçar destas técnicas facilitam o surgimento de
linhas de fuga no trabalho do ator, ocorre a conscientização
(racional\não racional) de um coletivo rizomático, grupo de atores que
conectam-se e trocam afetos.
Quero dizer com isso que não há uma combinação previa para obter
resultados, neste trabalho os atores desenvolvem um diálogo por vias
não racionais, em que a vibração, o magnetismo e outros extratos do
ser “em arte” se comunicam.
Esta comunicação da-se pela sutilização ou “abertura” do corpo-mente
para as micro percepções no momento do trabalho. Momento em que não
sabemos quem começou ou propôs determinado movimento, mudança de
ritmos, paradas e variações do tônus corporal.
Ocorre o devir de um ator no outro ator, visível por uma espécie de
“adivinhação magnética”, uma previsão inexplicável das intenções do
outro ator. Esta capacidade de prever faz com que eles possam dançar
juntos, criar concomitantemente. O ator quer ser o outro com quem
joga, diluir-se, misturar sua substância com a do outro, na ânfora do
teatro e, com isso, trazer à tona sua subjetividade.
Neste processo poderíamos dizer que o ator entra em um devir molécula
que o permite adentrar em outras formas de ser; não “eu”, sem deixar
de sê-lo. De ser lobo, de ser lagarto, de ser Ofélia, de ser Macbeth,
de ser bruxa. Devir ator no personagem, devir personagem no ator.
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Renata de Lélis e Juliana Kussler, clicadas por Camilo de Lélis
Felipe de Paula, clicado por Camilo de Lélis
Eduardo Mendonça, clicado por Camilo de Lélis