sexta-feira, 16 de abril de 2010

Pesquisa MILKSHAKESPEARE [procedimento II]

[procedimento II]

Na pesquisa prática aonde mergulhamos não há certo ou errado, ou um
lugar definido aonde queiramos chegar. O mais importante é o processo
que descobrimos juntos a cada dia, a cada encontro.

Na mistura dos nossos suores e dos nossos espíritos, das nossas
individualidades com os seres que estamos descobrindo juntos a cada
dia. Mistura esta do ator com seu personagem e o universo que o
constitui.

Na peça de Julio Zanotta, encontramo-nos em um lugar (ou não lugar)
onde penso que todos os atores gostariam de entrar, um limbo povoado
pelos “personagens reais” de Shakespeare.

Lugar onde estes personagens incorpóreos existem sem a necessidade
prévia de um ator.

(Concordo como o que disse uma vez uma atriz em uma entrevista, que
penso ser Fernanda Montenegro; Estamos sempre aquém do personagem, é
como se nunca o alcançássemos totalmente, como se nós atores
estivéssemos sempre devendo para nossos personagens uma interpretação
mais fiel, mais precisa.)

E quais personagens mais complexos, fascinantes e desafiadores do que
os de Shakespeare, o pai da dramaturgia moderna?

Em Mikshakespeare podemos entrar neste limbo onde os personagens de
nosso desejo, de nossa pulsão de representar, vagam em sua foram
original. E lá bebê-los, amá-los, devir-los.

Estamos a adentrar neste lugar lírico-abstrato, com o maior dos
prazeres e o maior dos medos. Ser ator já é em si a metáfora do “ser”,
é estar prestes a jogar-se de um penhasco.

O paradoxo da representação é ser E não ser a um só tempo.
...

Pesquisa MILKSHAKESPEARE [procedimento I]

[ser E não ser, eis a questão]

Fragmentos de uma pesquisa na arte do ator, tendo como objeto o
treinamento e criação dos atores do espetáculo Milkshakespeare.

Por Renata de Lélis.



[procedimento I]

Em trabalho com os atores de Milkshakespeare, o estado de jogo,
prioritário para todo processo de criação, aprofunda-se a cada dia de
treinamento.

Este treinamento consiste em estudos, leituras, filmes, técnicas
corporais-vocais e jogos improvisacionais que estão a formar o léxico
comum para a nossa expressão enquanto grupo.

No presente seguimento do trabalho prático optamos por exercícios com
base no Butô, no Yoga Clássico e outras técnicas corporais com base na
Educação Somática, intercalados com exercícios corporais de
improvisação.

Observamos que o entrelaçar destas técnicas facilitam o surgimento de
linhas de fuga no trabalho do ator, ocorre a conscientização
(racional\não racional) de um coletivo rizomático, grupo de atores que
conectam-se e trocam afetos.

Quero dizer com isso que não há uma combinação previa para obter
resultados, neste trabalho os atores desenvolvem um diálogo por vias
não racionais, em que a vibração, o magnetismo e outros extratos do
ser “em arte” se comunicam.

Esta comunicação da-se pela sutilização ou “abertura” do corpo-mente
para as micro percepções no momento do trabalho. Momento em que não
sabemos quem começou ou propôs determinado movimento, mudança de
ritmos, paradas e variações do tônus corporal.

Ocorre o devir de um ator no outro ator, visível por uma espécie de
“adivinhação magnética”, uma previsão inexplicável das intenções do
outro ator. Esta capacidade de prever faz com que eles possam dançar
juntos, criar concomitantemente. O ator quer ser o outro com quem
joga, diluir-se, misturar sua substância com a do outro, na ânfora do
teatro e, com isso, trazer à tona sua subjetividade.

Neste processo poderíamos dizer que o ator entra em um devir molécula
que o permite adentrar em outras formas de ser; não “eu”, sem deixar
de sê-lo. De ser lobo, de ser lagarto, de ser Ofélia, de ser Macbeth,
de ser bruxa. Devir ator no personagem, devir personagem no ator.

...

Renata de Lélis e Juliana Kussler, clicadas por Camilo de Lélis

Felipe de Paula, clicado por Camilo de Lélis

Eduardo Mendonça, clicado por Camilo de Lélis

Sobre o texto MILKSHAKESPEARE, de Júlio Zanotta

A peça MILKSHAKESPEARE (de Julio Zanotta com direção de Camilo de Lélis) traz de volta à vida o personagem William Stanley, que assegura ser o verdadeiro autor das peças atribuídas a William Shakespeare, e está disposto a tudo – mesmo – para fazer sua autoria ser reconhecida!

William Stanley (Conde de Derby) é citado por determinados estudiosos como o verdadeiro autor das obras de William Shakespeare. Um dos principais argumentos em apoio desta tese é um par de cartas de 1599 escritas pelo jesuíta espião George Fenner no qual se informa que Derby está "ocupado escrevendo peças para atores em comum". Ferdinand Stanley, seu irmão mais velho, formou um grupo de atores que evoluiu para o The King's Men. É possível que a primeira encenação de Sonho de Uma Noite de Verão tenha sido realizada em seu banquete de casamento. William Stanley é o 6º conde de Derby (1561/1642) e foi um nobre inglês, filho de Henry Stanley, 4º conde de Derby e de Lady Margareth Clifford, ambos com nobreza no sangue por muitas gerações.

Na foto, o autor Júlio Zanotta ao lado do consagrado teatreiro Zé Celso Martinez.



Abaixo, um verso de Zantotta, enviado por e-mail para o diretor Camilo de Lélis, dia 18 de março de 2010.

Muito boas as fotos,
Merecem o Prêmio Esso.
Anunciam rumor remoto
Da chegada do sucesso.

Viajando, enquanto isto,
Na capital paulista,
Segue o que foi visto
Em noite surrealista.

Profetizou Paracelso
Esta troca de idéia;
Zanotta e Zé Celso
Na desvairada paulicéia.

Corpo - comida - capitalismo - ansiedade - depressão: MILKSHAKESPEARE

A Cia. Teatral Face & Carretos, atuante no RS a partir de 1982 – em pausa desde 2003 - tem se caracterizado por uma contínua renovação e busca pela diversidade, tanto de autores, como de linguagem e estilo de espetáculo.

Das montagens de enfoque popular como O Ferreiro e a Morte e Macário, O Afortunado, às encenações de textos europeus contemporâneos como A Bota e A Meia, Mehrda Presidentas, O Estranho Sr. Paulo, Uma Chance para Feuerbach, passando pelos musicais com elenco numeroso, como Jacobina e Os Crimes da Rua do Arvoredo, a Cia Face & Carretos primou sempre por um trabalho de alto nível artístico, com ótimos profissionais conduzidos pela competência do encenador Camilo de Lélis.

Para 2010, a Cia Teatral Face & Carretos vem propor ao Teatro de Arena o projeto de pesquisa e encenação de um espetáculo inédito com texto de autoria do gaúcho Júlio Zanotta Vieira, premiado no concurso de Dramaturgia promovido pela Funarte em 2003.

Continuando a tradição de estudar, experimentar e ousar, sempre se embasando no conhecimento técnico e artístico da linguagem teatral, a Cia vai unir a experiência do encenador Camilo de Lélis, com as idéias da atriz, professora e pesquisadora Renata de Lélis, através da pesquisa O corpo do ator em relação ao espaço e ao outro: o outro que é corpo; o outro que é comida; o outro que é maquina - capitalismo, ansiedade e depressão. A pesquisa inclui treinamento corporal, oficinas teóricas, ensaio e encenação do espetáculo teatral MILKSHAKESPEARE.

O trabalho corporal será conduzido pela atriz-bailarina e pesquisadora da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, Renata de Lélis que - através da pesquisa que desenvolve para a tese de Mestrado em Performance Artística-Dança - facilitará uma chegada e redescoberta dos seus corpos pelos atores, culminando na encenação do espetáculo MILKSHAKESPEARE, com a direção de Camilo de Lélis.

Renata de Lélis na coordenação da pesquisa, Camilo de Lélis na direção do espetáculo, juntamente com a experiência dos atores da Cia. Face & Carretos, trabalhando com um texto de Júlio Zanotta Vieira resultará num espetáculo denso, ricamente multifacetado, concebido especialmente para o Teatro de Arena.