sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A Lição - EUGÈNE IONESCO


Nasceu na Romênia, em 1909, mas construiu sua carreira como dramaturgo e romancista na França, onde morreu em 1994. Considerado por Martin Esslin – autor do livro referencial O Teatro do Absurdo (1961) – como o autor da primeira peça do movimento homônimo (A cantora careca de 1950), Ionesco teve uma produção vasta e mundialmente conhecida. Admirador desde a infância do teatro de marionetes, encontrou no palco um lugar privilegiado para discutir as questões metafísicas que sempre o inquietaram. Foi professor de francês, ainda na Romênia e, uma vez estabelecido definitivamente em Paris, travou contato com André Breton e Luís Buñuel e suas ideias surrealistas, o que pode ser detectado em sua obra. Eugène Ionesco foi um dos seguidores da doutrina da patafísica, criada pelo dramaturgo Alfred Jarry em 1907, definida como “a ciência das soluções imaginárias e das leis que regulam as exceções”, e que se expressa através de uma linguagem nonsense, resultando em um modo pessoal e anárquico de explicar o absurdo da existência. Entre as peças mais conhecidas de Ionesco estão O rinoceronte, As cadeiras, Vítimas do dever e Jacques ou a submissão. Ionesco preferia que suas peças fossem chamadas de “insólitas” em vez de absurdas, e resumia assim a visão de mundo que defendia: “para um texto burlesco, uma interpretação dramática; para um texto dramático, uma interpretação burlesca’’.

A Lição - Texto II

Nossa pesquisa para a construção do espetáculo A LIÇÃO continua em ritmo acelerado. Para esta nossa versão do célebre e seminal texto de Eugène Ionesco, estamos nos munindo de referências tão variadas quanto inesperadas. Fazendo largo uso do conceito de intertextualidade herdado das teorias de Julia Kristeva e Roland Barthes, e a partir do qual Patrice Pavis informa, em seu Dicionário de Teatro, que essa teoria “postula que um texto só é compreensível pelo jogo dos textos que o precedem e que, por transformação, influenciam-no e trabalham-no” (p.213), a Cia. de Teatro ao Quadrado está buscando enriquecer ainda mais o material ionesquiano.
Mary Poppins, A noviça rebelde, Psicose, M- O vampiro de Düsseldorf, Doris Day, Esperando Godot, Dias felizes, Fim de partida...Essas são algumas das referências que estamos prazerosamente inserindo em nossa estrutura espetacular, através do cinema, da literatura, da música, canibalizando e deglutindo Alfred Hitchcock, Fritz Lang, Samuel Beckett e a Disney.
É absolutamente incomparável a oportunidade de construir o espetáculo no próprio local em que ele será apresentado. A riqueza de soluções que isso proporciona; a imersão na atmosfera única do espaço cênico; a possibilidade de trabalhar com as minúcias da elocução, já que podemos experimentar o tom de voz mais adequado para cada fala, dada a acústica privilegiada do Teatro de Arena: tudo isso nos assegura condições especiais para a criação de nosso espetáculo, que viemos desenvolvendo com todo o carinho e empenho. Não temos dúvida de que A LIÇÃO será um marco extremamente positivo na história da Cia. de Teatro ao Quadrado, que há oito anos vem trabalhando pelas artes cênicas gaúchas.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Pesquisa - A Lição

A Cia. de Teatro ao Quadrado começa seu trabalho de pesquisa do espetáculo A Lição, de Eugène Ionesco, em comemoração aos 60 anos do Teatro do Absurdo, projeto contemplado com o Prêmio de Incentivo à Pesquisa Teatral no Teatro de Arena para o segundo semestre. Confira o texto de apresentação, escrito por Marcelo Adams, ator do espetáculo:

TEATRO DO ABSURDO 60 ANOS
Marcelo Adams

Em 2010 celebramos 60 anos de criação do Teatro do Absurdo, movimento teatral inaugurado em 1950 com a encenação da peça A cantora careca, de Eugène Ionesco, em Paris. O Teatro do Absurdo – termo criado pelo austríaco Martin Esslin em seu livro homônimo, de 1961 – abriga sob a mesma denominação vários dramaturgos surgidos na Europa, após a segunda grande guerra, e que apresentam alguns conteúdos semelhantes em suas obras.

Dentre esses conteúdos, apesar da diversidade de abordagens, está a descrença no Homem, fruto do estado caótico em que mergulhou a Europa após o término da guerra, em 1945: junto à destruição física dos territórios, palcos de sangrentas batalhas, a falência moral dos cidadãos, que durante anos conviveram com a morte, a perda, a falta de sentido. Filósofos como Albert Camus (O mito de Sísifo, 1942) e Jean-Paul Sartre (O ser e o nada, 1943) pintavam um retrato desiludido de um mundo dilacerado e esvaziado de ideologias. O niilismo dominante afetou a todos, e a tentativa de expressar o absurdo da existência veio através de peças teatrais que miravam suas baterias na criação de fábulas onde as personagens também eram vítimas e habitantes de um mundo incompreensível e assustador.

Entre as marcas encontradas em autores como Ionesco, Fernando Arrabal, Samuel Beckett e Vaclav Havel está a dificuldade de comunicação entre os homens, através da desintegração da linguagem: na falta do discurso lógico que possibilita o entendimento entre as pessoas, o mundo se estilhaça. Nós seres humanos só dominamos o planeta porque criamos a linguagem; é ela que nos diferencia de outros animais. Na ausência ou ineficácia da linguagem, somos bárbaros. Os autores do Absurdo, percebendo a riqueza do tema, criaram obras-primas que entraram para a história do teatro, influenciando toda a produção dramática posterior.

Para comemorar os 60 anos do Teatro do Absurdo, o Teatro de Arena de Porto Alegre receberá, a partir de 15 de outubro, o espetáculo teatral A LIÇÃO, de Eugène Ionesco. A nova produção da Cia. de Teatro ao Quadrado, contemplada com o Prêmio de Incentivo à Pesquisa Teatral, encenará esse que é um dos textos fundamentais do Teatro do Absurdo, com direção de Margarida Leoni Peixoto. Eu mesmo terei a satisfação de estar em cena, ao lado de Margarida e da Luísa Herter, na homenagem que faremos a um dos acontecimentos artísticos mais importantes do século XX. Marquem em suas agendas: A LIÇÃO vem aí!

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Pesquisa MILKSHAKESPEARE [procedimento II]

[procedimento II]

Na pesquisa prática aonde mergulhamos não há certo ou errado, ou um
lugar definido aonde queiramos chegar. O mais importante é o processo
que descobrimos juntos a cada dia, a cada encontro.

Na mistura dos nossos suores e dos nossos espíritos, das nossas
individualidades com os seres que estamos descobrindo juntos a cada
dia. Mistura esta do ator com seu personagem e o universo que o
constitui.

Na peça de Julio Zanotta, encontramo-nos em um lugar (ou não lugar)
onde penso que todos os atores gostariam de entrar, um limbo povoado
pelos “personagens reais” de Shakespeare.

Lugar onde estes personagens incorpóreos existem sem a necessidade
prévia de um ator.

(Concordo como o que disse uma vez uma atriz em uma entrevista, que
penso ser Fernanda Montenegro; Estamos sempre aquém do personagem, é
como se nunca o alcançássemos totalmente, como se nós atores
estivéssemos sempre devendo para nossos personagens uma interpretação
mais fiel, mais precisa.)

E quais personagens mais complexos, fascinantes e desafiadores do que
os de Shakespeare, o pai da dramaturgia moderna?

Em Mikshakespeare podemos entrar neste limbo onde os personagens de
nosso desejo, de nossa pulsão de representar, vagam em sua foram
original. E lá bebê-los, amá-los, devir-los.

Estamos a adentrar neste lugar lírico-abstrato, com o maior dos
prazeres e o maior dos medos. Ser ator já é em si a metáfora do “ser”,
é estar prestes a jogar-se de um penhasco.

O paradoxo da representação é ser E não ser a um só tempo.
...

Pesquisa MILKSHAKESPEARE [procedimento I]

[ser E não ser, eis a questão]

Fragmentos de uma pesquisa na arte do ator, tendo como objeto o
treinamento e criação dos atores do espetáculo Milkshakespeare.

Por Renata de Lélis.



[procedimento I]

Em trabalho com os atores de Milkshakespeare, o estado de jogo,
prioritário para todo processo de criação, aprofunda-se a cada dia de
treinamento.

Este treinamento consiste em estudos, leituras, filmes, técnicas
corporais-vocais e jogos improvisacionais que estão a formar o léxico
comum para a nossa expressão enquanto grupo.

No presente seguimento do trabalho prático optamos por exercícios com
base no Butô, no Yoga Clássico e outras técnicas corporais com base na
Educação Somática, intercalados com exercícios corporais de
improvisação.

Observamos que o entrelaçar destas técnicas facilitam o surgimento de
linhas de fuga no trabalho do ator, ocorre a conscientização
(racional\não racional) de um coletivo rizomático, grupo de atores que
conectam-se e trocam afetos.

Quero dizer com isso que não há uma combinação previa para obter
resultados, neste trabalho os atores desenvolvem um diálogo por vias
não racionais, em que a vibração, o magnetismo e outros extratos do
ser “em arte” se comunicam.

Esta comunicação da-se pela sutilização ou “abertura” do corpo-mente
para as micro percepções no momento do trabalho. Momento em que não
sabemos quem começou ou propôs determinado movimento, mudança de
ritmos, paradas e variações do tônus corporal.

Ocorre o devir de um ator no outro ator, visível por uma espécie de
“adivinhação magnética”, uma previsão inexplicável das intenções do
outro ator. Esta capacidade de prever faz com que eles possam dançar
juntos, criar concomitantemente. O ator quer ser o outro com quem
joga, diluir-se, misturar sua substância com a do outro, na ânfora do
teatro e, com isso, trazer à tona sua subjetividade.

Neste processo poderíamos dizer que o ator entra em um devir molécula
que o permite adentrar em outras formas de ser; não “eu”, sem deixar
de sê-lo. De ser lobo, de ser lagarto, de ser Ofélia, de ser Macbeth,
de ser bruxa. Devir ator no personagem, devir personagem no ator.

...

Renata de Lélis e Juliana Kussler, clicadas por Camilo de Lélis

Felipe de Paula, clicado por Camilo de Lélis

Eduardo Mendonça, clicado por Camilo de Lélis

Sobre o texto MILKSHAKESPEARE, de Júlio Zanotta

A peça MILKSHAKESPEARE (de Julio Zanotta com direção de Camilo de Lélis) traz de volta à vida o personagem William Stanley, que assegura ser o verdadeiro autor das peças atribuídas a William Shakespeare, e está disposto a tudo – mesmo – para fazer sua autoria ser reconhecida!

William Stanley (Conde de Derby) é citado por determinados estudiosos como o verdadeiro autor das obras de William Shakespeare. Um dos principais argumentos em apoio desta tese é um par de cartas de 1599 escritas pelo jesuíta espião George Fenner no qual se informa que Derby está "ocupado escrevendo peças para atores em comum". Ferdinand Stanley, seu irmão mais velho, formou um grupo de atores que evoluiu para o The King's Men. É possível que a primeira encenação de Sonho de Uma Noite de Verão tenha sido realizada em seu banquete de casamento. William Stanley é o 6º conde de Derby (1561/1642) e foi um nobre inglês, filho de Henry Stanley, 4º conde de Derby e de Lady Margareth Clifford, ambos com nobreza no sangue por muitas gerações.

Na foto, o autor Júlio Zanotta ao lado do consagrado teatreiro Zé Celso Martinez.



Abaixo, um verso de Zantotta, enviado por e-mail para o diretor Camilo de Lélis, dia 18 de março de 2010.

Muito boas as fotos,
Merecem o Prêmio Esso.
Anunciam rumor remoto
Da chegada do sucesso.

Viajando, enquanto isto,
Na capital paulista,
Segue o que foi visto
Em noite surrealista.

Profetizou Paracelso
Esta troca de idéia;
Zanotta e Zé Celso
Na desvairada paulicéia.

Corpo - comida - capitalismo - ansiedade - depressão: MILKSHAKESPEARE

A Cia. Teatral Face & Carretos, atuante no RS a partir de 1982 – em pausa desde 2003 - tem se caracterizado por uma contínua renovação e busca pela diversidade, tanto de autores, como de linguagem e estilo de espetáculo.

Das montagens de enfoque popular como O Ferreiro e a Morte e Macário, O Afortunado, às encenações de textos europeus contemporâneos como A Bota e A Meia, Mehrda Presidentas, O Estranho Sr. Paulo, Uma Chance para Feuerbach, passando pelos musicais com elenco numeroso, como Jacobina e Os Crimes da Rua do Arvoredo, a Cia Face & Carretos primou sempre por um trabalho de alto nível artístico, com ótimos profissionais conduzidos pela competência do encenador Camilo de Lélis.

Para 2010, a Cia Teatral Face & Carretos vem propor ao Teatro de Arena o projeto de pesquisa e encenação de um espetáculo inédito com texto de autoria do gaúcho Júlio Zanotta Vieira, premiado no concurso de Dramaturgia promovido pela Funarte em 2003.

Continuando a tradição de estudar, experimentar e ousar, sempre se embasando no conhecimento técnico e artístico da linguagem teatral, a Cia vai unir a experiência do encenador Camilo de Lélis, com as idéias da atriz, professora e pesquisadora Renata de Lélis, através da pesquisa O corpo do ator em relação ao espaço e ao outro: o outro que é corpo; o outro que é comida; o outro que é maquina - capitalismo, ansiedade e depressão. A pesquisa inclui treinamento corporal, oficinas teóricas, ensaio e encenação do espetáculo teatral MILKSHAKESPEARE.

O trabalho corporal será conduzido pela atriz-bailarina e pesquisadora da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, Renata de Lélis que - através da pesquisa que desenvolve para a tese de Mestrado em Performance Artística-Dança - facilitará uma chegada e redescoberta dos seus corpos pelos atores, culminando na encenação do espetáculo MILKSHAKESPEARE, com a direção de Camilo de Lélis.

Renata de Lélis na coordenação da pesquisa, Camilo de Lélis na direção do espetáculo, juntamente com a experiência dos atores da Cia. Face & Carretos, trabalhando com um texto de Júlio Zanotta Vieira resultará num espetáculo denso, ricamente multifacetado, concebido especialmente para o Teatro de Arena.